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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Os saudáveis e desejados ventos das mudanças

Haverá um novo alvorecer no Vaticano?

A renúncia do Papa Bento XVI, que tanto deu, e ainda está dando, o que falar é, sem a menor sombra de dúvida, um sinal. Um forte e inegável sinal de que estamos vivendo não apenas uma época de mudanças, mas sim uma mudança de época.
Para os fiéis católicos mais conservadores - que ainda não descobriram que a Idade Média acabou - o Papa é o legítimo representante de Deus na Terra. Só que, de uma hora para outra, um ser que, desde o concílio Vaticano I de 1870, é definido dogmaticamente como infalível em matéria de fé, declara sua falibilidade humana, tristemente humana. Como qualquer um de nós.
Ainda que - conforme já publiquei recentemente - a saída antecipada do Papa seja o resultado de um punhado de fatores, a gente não deixa de sentir esse evento como um sintoma fortíssimo de que a Igreja de Jesus Cristo, que tem sede em Roma, jamais será a mesma. Foi mudada irreversivelmente e para sempre. Tomara que seja para melhor.
Ao renunciar ser o pastor do catolicismo, da igreja romana, a referência máxima de fé para mais de um bilhão de fiéis no mundo inteiro, Ratzinger deu o primeiro passo, ou talvez o último para o fim de uma instituição carcomida pelo conservadorismo, a corrupção, os desmandos e a intolerância.
Mas outros casos acontecidos neste últimos dias tem demonstrado que o mofo burocrático que sustentava as estruturas ultrapassadas da Igreja Romana parece estar definhando.
Um destes é o do cardeal Roger Mahony, de Los Angeles, na Califórnia, responsável pelo encobrimento de 129 casos de abusos de menores por parte de religiosos daquela cidade. Um grupo enorme de católicos americanos quer que Mahony seja proibido de participar do conclave que elegerá o novo papa no mês que vem.
Outro caso interessante é o do único cardeal eleitor do Reino Unido, Keith O'Brian que foi denunciado por comportamento inadequado com menores. O prelado renunciou ao cargo e a terra da rainha ficou sem representante no conclave para escolher o sucessor de Bento. O cardeal escocês era um possível candidato ao trono papal.
Essa atitude dos católicos americanos unidos, dando cartão vermelho ao cardeal relapso, irresponsável e omisso, mostra que os fiéis não são ovelhas. E as denúncias contra Keith O´Brian revelam que também o pastor pode muito bem ser o próprio lobo.
Assim os fiéis católicos, e os demais cristãos estão cada vez mais percebendo a “Verdade que liberta”, assim como seus próprios poderes. Estão conscientes das suas imensas forças interiores. E, o melhor, descobrem que cada um e cada uma pode ter comunicação direta com a Fonte, sem intermediários, conforme ensinavam Khrisna, Lao-Tsé, Jeremias, Buda,  Jesus e Maomé.
Isto tem deixando cada vez mais escassos os rebanhos e aumentando o contingente de grupos voluntários e livres de buscadores da Verdade. A transformação verdadeira está aí. O resultado do conclave que indicará o sucessor ao trono de Pedro será mais uma troca irrelevante, enraizada no poder temporal, transitório e suscetível.
Mas a grande mudança que realmente está acontecendo é na cabeça e no coração das pessoas que se libertam - com a força da espiritualidade sem dogmas - do poder da superstição, das crenças obsoletas e da mente obscura.
Seja bem vindo esse novo mundo. Mesmo que a sua chegada despedace, impiedosamente, nossos ídolos e arranque, dolorosamente, nossos preconceitos.

Goiânia, fevereiro/2013


quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Religião como um fardo

Última Ceia de S.Dali: Jesus simbolizado no vinho


Preocupados em observar normas sem nenhum significado maior, muitos religiosos acabam fazendo da sua fé uma prisão e do seu deus um carcereiro

Num dia de calor de mais de 38 graus à sombra, recebo a visita de um amigo querido que há muito não via. Convidei-o para um refrescante copo de cerveja e recebi de volta um geladíssimo:“-Não, obrigado. Minha religião não permite”.
Meio desconcertado, ofereci água e não tive coragem de abrir a garrafa esbranquiçada de gelo para beber sozinho. A oferta e a recusa esfriou o clima do reencontro. Falamos vagamente do tempo, e antes que o silêncio dominasse de vez o ambiente ele se despediu.
Acho que meu amigo foi embora meio decepcionado comigo. Pois antes de sair me perguntou:"Por que, afinal você que é uma pessoa 'espiritualizada' fica se 'embebedando' com cerveja?
Lembrei-lhe que eu jamais me embebedei, com cerveja ou outra coisa qualquer. Gosto da refrescância e do sentimento de descontração que aquela bebida me dava. E só. E emendei, pensando mesmo em ajudá-lo:
"Minha religião" não me permite mesmo é me embebedar com dogmas e doutrinas anacrônicas que só servem para gerar ódio e divisão entre os seres humanos. Minha religião, se é que ela existe, se baseia no sentimento de liberdade da alma. A mesma liberdade com a qual o Espírito sopra nos corações.
Segundo a espiritualidade que procuro viver, nada é proibido a não ser o ódio em suas variadas e sutis formas e aparências. E, portanto, a regra áurea da compaixão é que deve dirigir os passos de toda a humanidade, pois não é exclusiva de nenhuma religião, mas está presente na doutrina de todas as tradições espirituais do universo.
E em sua forma positiva – fazei aos outros o que deseja que lhes façam – é que me incita a respeitar, acolher e amar todas as manifestações do sentimento religioso. Mas, sempre com o olhar atento para distinguir o que é essencial e o que é relativo em cada uma delas.
As proibições religiosas não são prescrições divinas em sua origem, nem fruto da espiritualidade de alguém. São apenas ordenanças condicionadas pela situação socioeconômica e cultural de quem as estabelece. Na maioria, necessárias em determinada realidade histórica, e absolutamente dispensáveis em outra.
Ele partiu meio confuso. Eu, enfim, fui alegre e sem culpa tomar a minha cerveja. Dei graças ao Absoluto pela delícia do sabor e pelo sentimento feliz de saber que, por ser infinito e onipresente, Ele, ou Ela, estava ali, comigo, lá, com meu amigo e, até mesmo, dentro das borbulhas geladas daquele líquido dourado.
Goiânia, fevereiro de 2013

Realidade que incomoda e conforta

Mínimas, insistentemente floram

"Que minha palavra não seja mais que a minha vida,
 que nossa palavra seja a verdade do testemunho"
Pedro Casaldáliga

São inúmeras as razões que levam alguém a ocupar um espaço nesse universo quase infinito chamado internet. Quanto a mim, inauguro este blog movido pelo desejo de expressar, virtualmente, as impressões sentidas pelo choque da realidade que me circunda com a interioridade que me sustenta.
Místico por natureza, não consigo captar nenhum aspecto da vida a não ser pelo filtro da espiritualidade. E me incomoda perceber que predomina na maioria dos corações e mentes um sentimento imediatista e relativizante que aprisiona o ser humano num aparente impasse, onde só existem duas saídas:
 -Ou se esconde na pseudo-lucidez sombria de um racionalismo egocêntrico, niilista e deprimente, que aposta na ciência como a última e única fonte de respostas a todos os grandes questionamentos e impasses da existência;
-Ou se entrega à hipotética segurança frágil de uma crendice massificante, supersticiosa e imediatista, que se assenta na promessa mercantilista de todo tipo de milagres, da prosperidade fácil e soluções mágicas dos seus problemas.
Porém, em vários cantos do mundo há sinais de saudável otimismo e fé estimulante. São pessoas que, sozinhas ou em pequenos grupos, vão além das instituições caducas, dos modismos religiosos e do cientificismo materialista para integrarem, num todo harmônico e equilibrado, as várias faces da experiência e do conhecimento humanos. De posse dessa maneira holística de ver e examinar a realidade, estão construindo uma nova civilização.
E para estas e estes protagonistas, parturientes e parteiros dessa nova época, é que dou sempre as boas a este espaço e à minha vida. Essas esperanças mínimas, que insistentemente floram, aqui têm abrigo e aconchego. Que, juntos, a gente consiga ser uma faísca que pode incendiar, de novo, os corações e unir os passos na claridade desse caminho.
Goiânia, fevereiro/2013