Última Ceia de S.Dali: Jesus simbolizado no vinho |
Preocupados em observar normas sem nenhum significado maior, muitos religiosos acabam fazendo da sua fé uma prisão e do seu deus um carcereiro
Num dia de calor de mais de 38 graus à sombra, recebo
a visita de um amigo querido que há muito não via. Convidei-o para um
refrescante copo de cerveja e recebi de volta um geladíssimo:“-Não, obrigado. Minha
religião não permite”.
Meio desconcertado, ofereci água e não tive coragem de
abrir a garrafa esbranquiçada de gelo para beber sozinho. A oferta e a recusa
esfriou o clima do reencontro. Falamos vagamente do tempo, e antes que o
silêncio dominasse de vez o ambiente ele se despediu.
Acho que meu amigo foi embora meio decepcionado
comigo. Pois antes de sair me perguntou:"Por que, afinal você que é uma pessoa 'espiritualizada' fica se 'embebedando' com cerveja?
Lembrei-lhe que eu jamais me embebedei, com cerveja ou
outra coisa qualquer. Gosto da refrescância e do sentimento de descontração que
aquela bebida me dava. E só. E emendei, pensando mesmo em ajudá-lo:
"Minha religião" não me permite mesmo
é me embebedar com dogmas e doutrinas anacrônicas que só servem para gerar ódio
e divisão entre os seres humanos. Minha religião, se é que ela existe, se baseia no sentimento de
liberdade da alma. A mesma liberdade com a qual o Espírito sopra nos corações.
Segundo a espiritualidade que procuro viver,
nada é proibido a não ser o ódio em suas variadas e sutis formas e aparências. E,
portanto, a regra áurea da compaixão é que deve dirigir os passos de toda a
humanidade, pois não é exclusiva de nenhuma religião, mas está presente na
doutrina de todas as tradições espirituais do universo.
E em sua forma positiva – fazei aos outros o que deseja que lhes façam – é que me incita a
respeitar, acolher e amar todas as manifestações do sentimento religioso. Mas,
sempre com o olhar atento para distinguir o que é essencial e o que é relativo em cada uma delas.
As proibições religiosas não são prescrições divinas
em sua origem, nem fruto da espiritualidade de alguém. São apenas ordenanças condicionadas pela situação socioeconômica e cultural de quem as
estabelece. Na maioria, necessárias em determinada realidade histórica, e
absolutamente dispensáveis em outra.
Ele partiu meio confuso. Eu, enfim, fui alegre e sem culpa tomar a minha cerveja. Dei graças ao Absoluto pela delícia do sabor e pelo sentimento
feliz de saber que, por ser infinito e onipresente, Ele, ou Ela, estava ali,
comigo, lá, com meu amigo e, até mesmo, dentro das borbulhas geladas daquele
líquido dourado.
Goiânia, fevereiro de
2013
Bela matéria gostei bastabte
ResponderExcluirMarion