A frágil bravura de um santo poeta |
“Tenha pena, Senhor, e um carinho especial com as pessoas muito lógicas, muito práticas, muito realistas, que se irritam com quem crê no cavalinho azul".
Dom Helder Câmara
Em fevereiro de 2008, a Conferência
dos Presbíteros do Brasil(CPB) solicitou às autoridades católicas a abertura do
processo de beatificação de Helder Pessoa Câmara, Arcebispo Emérito do Recife e
Olinda, morto em 27 de agosto de 1999. Um pedido aparentemente óbvio, mas que
certamente não o é. Pelo menos para as autoridades vaticanas. Helder Câmara
talvez seja o membro morto do clero brasileiro menos palatável para a Cúria
Romana, depois do padre Cícero Romão Batista, de Juazeiro do Norte (CE).
Pequeno e humilde fisicamente, Helder
Câmara possuía uma mente tão poderosa que suas ideias colocaram em xeque muitas
das "verdades" consolidadas pelo sistema político, econômico, filosófico e
religioso de sua época. Amado pelo povo e pelas pessoas que sonhavam com um mundo
menos injusto, violento e desigual, Helder era evitado, temido e mesmo odiado
por quase todos os detentores de todo o tipo de poder humano.
Até entre seus colegas de ministério
religioso o Dom, como era carinhosamente chamado pelos seus amigos, encontrava
oposição. E ele nem queria derrubar tronos, destruir palácios nem se apoderar
de nenhum comando. Queria, pregava, pedia e exigia a justiça, a liberdade e a
paz para todo mundo.
A pobreza de muitos e a riqueza de
poucos o irritava tanto que chegava a dizer que "o dinheiro acumulado é o
ninho onde descansa o Diabo". Nunca se calou ente as injustiças e enfrentou e
incomodou tanto o governo militar do Brasil que recebia ameaças de morte
constante.
O presidente Médici
chegou a mandar uma mensagem ao Papa Paulo VI, através da embaixada do Brasil
em Roma, que, se Dom Helder não parasse de atacar o regime, o governo não
poderia mais garantir a vida do religioso. Diante da ameaça velada, o Papa
pediu ao Arcebispo de Olinda e Recife que moderasse seu discurso, pois corria
risco. Ao que Dom Helder respondeu:
-- Santidade,
sigo os passos de um profeta que foi torturado e morto pelos poderosos por
anunciar o amor. Não tenho direito de querer um destino mais confortável que o
d´Ele.
Brasileiro mais indicado ao Prêmio Nobel
da Paz em toda a História, Helder Câmara não foi agraciado com o título por
forte interferência dos governos brasileiro e americano e da ala mais conservadora
da Igreja Católica. Tinha inimigos poderosos. E sabia mantê-los atentos com uma
saraivada intensa de discursos, poemas e orações. Nos textos de Helder, as
palavras feriam os injustos e pecadores como setas afiadíssimas.
Ao mesmo tempo, se referia aos seus
inimigos com uma ternura imensa, mas não lhes poupava críticas momento algum. E
dessas críticas não escapava nenhum dos poderosos. Com uma fina ironia e um
pensamento teológico rigoroso, mas claro e simples, questionava até seus
companheiros padres, bispos e cardeais.
UM REBELDE NO CÉU
Em junho de 2007, resenhei e
apresentei num extenso artigo o livro Novas Utopias – Reflexões de um
padre depois da morte, de Carlos Pereira pelo espírito de Dom Helder
Câmara, editado pela Luminus. Na época escrevi que a obra era tão parecida com
o arcebispo-emérito de Olinda e Recife que mesmo os mais céticos teriam motivos
de sobra para parar e pensar um pouco sobre os mistérios da vida.
Aparentemente singelo, simplório até,
o livro emociona, incomoda, desaloja e por isto mesmo é recebido com um certo
medo pelos “donos” das tradições religiosas do catolicismo e do espiritismo.
Como o franzino dom Helder, o livro tem o dom de causar
certo desassossego em quem se acredita acima de qualquer crítica ou novidade.
Com um medo disfarçado em menosprezo,
poucos são os religiosos de ambas as tradições que ousaram falar sobre o assunto.
Exceção ao próprio Carlos Pereira, médium kardecista que o psicografou, e a Marcelo
Barros, monge beneditino, que escreveu a apresentação do livro.
Marcelo, que durante nove anos, de 1966 a
1975, foi secretário de Dom Helder Câmara para a relação ecumênica com as
igrejas cristãs e as outras religiões, tem 30 livros publicados. Com sua
costumeira sabedoria e perspicácia, o monge, escritor e teólogo pernambucano,
que viveu vários anos e fundou o famoso Mosteiro da Anunciação na cidade de
Goiás, fala do livro com a liberdade daqueles que creem que o “Espírito de Deus
sopra onde e quando quer”.
Marcelo é ecumênico na expressão
máxima do termo. Seu mosteiro vilaboense se tornou um marco internacional no
diálogo entre as religiões. Como todos os que acreditam que Deus é muito maior
que qualquer imagem que se possa fazer d´Ele, o monge diz que o livro “é um
fenômeno edificante, não redutível a uma lógica racionalista cartesiana”.
E essa afirmação vem de braços com um
pequeno poema-oração de dom Helder com o qual abrimos este artigo.
Por isso, para muitos livres pensadores
o livro psicografado pelo médium Carlos Pereira, da Sociedade Espírita Ermance Dufaux, de Belo Horizonte, não causou
muita surpresa. Era de se esperar algum assim do Dom Helder, o santo rebelde
dos pobres e dos oprimidos.
Mas, no meio espírita e,
principalmente, entre os católicos conservadores e fundamentalistas, o livro
caiu como uma bomba. Basta lembrar a silenciosa e raivosa indiferença com que o
clero tratou o lançamento. Quando
procurei um porta-voz da Igreja para comentar o assunto, ele me respondeu com
uma amável ironia: “Não vamos perder tempo com essas bobagens!”
Mas no prefácio do livro aparece também
o aval do filósofo e teólogo Inácio Strieder e a opinião favorável da
historiadora e pesquisadora Jordana Gonçalves Leão, ambos ligados a Igreja
Católica.
Conforme Inácio e Jordana, essa obra
talvez não seja uma produção direcionada aos espíritas, que já convivem com o
fenômeno da comunicação, desde a codificação do Espiritismo, mas, para uma
grandiosa parcela da população dentro da militância católica, que é chamada a
conhecer a verdade espiritual, porque "os tempos são chegados".
“Estes ensinamentos pertencem à natureza e, consequentemente, a todos os filhos
de Deus”, ensinam.
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